Será que não há migrantes, nem jovens dos bairros, nem pessoas idosas no mundo das ONGD ?, por Antonio de la Fuente
Uma pesquisa feita pelo ITECO nos últimos anos mostra que, ainda hoje, as ONG de educação para o desenvolvimento têm dificuldade em deixar a sua zona de conforto tradicional, ou seja, as escolas da classe média.
No que já vivemos do século XXI, a educação para o desenvolvimento tem evoluído nalguns aspetos, mas não muito no que diz respeito aos públicos que aborda. As associações de terreno, por sua vez, dizem que não conhecem ou não se reconhecem na denominação de educação para o desenvolvimento. Para aquelas que a conhecem, esse nome é conotado com « Sul » e faz parte assim do terreno privativo das ONGD. E se há trinta anos o termo « desenvolvimento » era relativamente consensual, hoje tornou-se problemático, porque transportaria conteúdos parasitas como industrialização ou então eurocentrismo.
Por estas razões, as ONGD belgas estão a abandonar o nome de « educação para o desenvolvimento », substituindo-o por « educação para a cidadania global e solidária ». Esta última denominação seria mais inclusiva e mais explícita. Mais comprida também. Tanto assim que as ONGD usam correntemente a sigla ECMS. E das siglas, as ONG gostam. É útil lembrar, porém, que os estudos mostram que a maioria da população belga não sabe o que a palavra ONG significa. Usar logo de início um acrónimo como ECMS equivale assim a ser ouvido e entendido apenas por pequenos grupos.
Para apresentar a mudança de nome, as ONGD francófonas belgas, agrupadas na Federação Acodev, escreveram este Referencial. Um curto texto dividido em quatro capítulos : propósito, missão, estratégias e relações com outros campos. Através da sua leitura, a educação para a cidadania global e solidária pode ser resumida em termos semânticos assim : A educação para a cidadania global e solidária (ela) suscita (promove) atividades (processos) nos campos da cooperação, da educação, da intervenção social.
Assunto abstrato o nosso ! E as entidades às quais a educação para a cidadania global e solidária se destina são abstratas também. O Referencial nomeia-as de três maneiras diferentes : são os « cidadãos », geralmente. Os « públicos », às vezes. Os que « vão a aprender », uma vez.
« Cidadãos e cidadania » são de longe os termos mais utilizados neste Referencial, reforçando o aspeto abstrato da proposta. Cidadão : « sujeito de um país », informa-nos o dicionário. Difícil de encontrar um termo mais desencarnado, mais clichê.
Não há nomes, nem há lugares, nem rostos, neste texto. Esqueçamos os « tics » de linguagem, os marcadores supostamente integradores destinados a excluir aqueles que não os usam. Ou seja, a maioria das pessoas.
O resultado é que depois da leitura deste Referencial não sabemos quase nada sobre o que realmente é a educação para a cidadania global e solidária : onde ocorre, quem são as pessoas que levam essas ações para a frente, qual é o rosto delas e daqueles a quem as ONG se dirigem.
À falta de maior concretização, vemo-nos obrigados a dar uma olhada nas fotos. E que é o que essas imagens mostram ? Crianças e jovens adolescentes da classe média na escola ou envolvidos em atividades escolares noutros lugares. Só isso ? Só.
Nesta fase, vemo-nos também obrigados a voltar ao nosso ponto de partida : a educação para a cidadania global e solidária não age, ou muito pouco, fora das escolas da classe média.
Será que não há migrantes, nem jovens dos bairros, nem pessoas idosas no mundo das ONGD ? Depois de ler este Referencial, parece claro que a mudança de nome não levou a uma mudança de público.